Contudo cabe salientar de que nada servirá que a análise seja boa e correcta, se os chefes das equipas e os comandos não assimilem este sistema porque não querem ou porque não sejam capazes de executá-lo.
Antes de explicar o que nos diz Doug Campbell sobre o seu sistema de previsão do comportamento do fogo num incêndio, temos que considerar de alguns conceitos prévios:
- A temperatura do ar e a humidade relativa são elementos do perigo de incêndio – não são elementos do comportamento do fogo.
- O grau de perigo de incêndios não explica as variações na intensidade do fogo.
- Ao contrário do que por vezes se ensina, não é o ar seco e quente que seca e aquece os combustíveis florestais!
REALMENTE, É O AR QUE ARREFECE OS COMBUSTÍVEIS E É O AR QUE RECEBE O CALOR DOS COMBUSTÍVEIS POR CONDUÇÃO.
O Sistema de Campbell tem por base o Triângulo de Comportamento de Fogo constituído pelos 3 factores determinantes na intensidade e velocidade de propagação de um incêndio florestal – Topografia, Meteorologia e Combustíveis. No entanto, sintetiza o efeito destes factores a 3 elementos considerados chave quer individualmente quer na sua inter-relação na determinação do comportamento do fogo: Declive, Vento e Exposição.
O Declive constitui uma força importante ao favorecer o aumento da velocidade da frente do incêndio e de colocar os materiais combustíveis mais próximos da radiação necessária para começarem a arder. Em laboratório, as provas permitiram registar velocidades 20 vezes superiores na subida do que na descida. (Terrén, Domingo Molina; Unidad de Fuegos Forestales - Universidad de Lleida)
O Vento, assim como o declive, acelera a propagação do incêndio quando está a favor, pelo seu efeito na radiação, ao tombar as chamas, ao oxigená-las e ao secar os combustíveis à sua frente. Assim, o fogo é mais eficiente a favor do vento do que em contra, ao queimar uma maior quantidade de combustível ao mesmo tempo.
A Exposição/Orientação do combustível na encosta em relação à radiação solar, indica quando este estará frio ou quente. A exposição/orientação da encosta tem uma incidência directa:
1. Na temperatura do combustível e portanto, na inflamabilidade. Quando uma encosta está totalmente exposta ao sol, a sua temperatura aumenta de tal forma que podem chegar-se a registar temperaturas próximas dos 80 ºC no ar junto ao combustível irradiado, enquanto que a temperatura geral do ar (ambiente) possa rondar os 38 – 40 ºC.
2. No tipo de vegetação. O stress hídrico, a radiação solar ou outros aspectos do microclima, vão condicionar a vegetação (disponibilidade, carga de combustível, compactação) e portanto o tipo ou modelo de combustível.
3. Na meteorologia. As exposições quentes ao transferir o seu calor ao ar por condução, criam-se ventos topográficos superficiais opostos, diferentes ou inclusive a favor dos ventos gerais. Igualmente, após a chuva, numa exposição soalheira a água evapora-se mais rapidamente que numa encosta sombria.
Então perguntamo-nos o seguinte:
Será também que o combustível é um elemento estável que não se altera!?
Segundo Campbell, na frente das chamas a inflamabilidade do combustível muda de hora a hora. Esta diferença horária da inflamabilidade está relacionada com a recepção e acumulação da energia radiante, a qual varia no ciclo diurno com a exposição/orientação da encosta.
Medições levadas a cabo pelo Serviço Municipal de Protecção Civil / Gabinete Técnico Florestal de Vila Nova de Cerveira permitiram comprovar que a temperatura dos combustíveis regista valores muitas vezes próximas do dobro da temperatura do ambiente.
Temperatura do Ar medida 1,30 m de altura (Exposição SW, às 16 horas)
Temperatura do Ar junto aos Combustíveis no mesmo local onde foi obtida a medida a anterior (Exposição SW, às 16 horas)
Igualmente, pudemos constatar que a maioria dos reacendimentos dos incêndios florestais dão-se nos picos das curvas de inflamabilidade, o que nos permite uma melhor avaliação das condições e métodos aplicados nos trabalhos de rescaldo, pois é de destacar que a larga maioria dos grandes incêndios florestais no Alto Minho têm normalmente origem em rescaldos defeituosos e na falta de vigilância activa das áreas pós-incêndio.
A aplicação do Sistema de Campbell permite-nos determinar que comportamento de fogo se espera em cada frente de chamas de um incêndio e que prioridades ou tácticas de ataque ou métodos de combate deverão ser aplicados. A aplicação deste sistema de previsão centra-se sobretudo na poupança de recursos quer humanos quer materiais, pois quantas vezes assistimos nos incêndios florestais à aplicação de tácticas inoperacionais que nada vão adiantar e que levam os combatentes a correr literalmente atrás do fogo - a reboque do incêndio florestal - conduzindo-os à exaustão e a um desgaste dos equipamentos inutilmente.
A aplicação do Sistema de Campbell implica:
- Para integrá-lo requer uma conversão importante na formação do pessoal combatente, com especial prioridade sobre as chefias de cada equipa.
- Requer um período de tempo de adaptação, sendo necessário realizar sempre uma avaliação de cada incêndio nos dias seguintes, com o objectivo de corrigir erros e de difundir os mesmos conhecimentos por todos os intervenientes, pois é um facto que por questões da escala, nos grandes incêndios, a memória que possui cada equipa combatente é de todo limitada, devido à visão parcial do incêndio e por vezes não entende porque se aplicou uma determinada táctica.
Dada a importância da análise do comportamento do fogo por parte dos combatentes, o Serviço Municipal de Protecção Civil tem vindo a colaborar com a Corporação de Bombeiros Voluntários de Vila Nova de Cerveira, na formação dos seus combatentes nesta importante temática, através de sessões formativas, estudos de casos e análise de incêndios florestais.
Hoje, ficamos por aqui, mas brevemente darei a conhecer de forma prática e simples o que nos diz o Sistema de Campbell, bem como a linguagem comum a aplicar por todos os combatentes das diversas equipas (bombeiros, sapadores florestais, equipas GIPS, equipas AFOCELCA, entre outros).
Desenvolvido e postado por:
Emanuel de Oliveira
SMPC/GTF de Vª Nª de Cerveira
3 comentários:
Este é um sistema muito eficaz para a analise do ambiente de fogo e que vai determinar o seu comportamento. Se analizarmos um incêndio à luz deste sistema, apercebemo-nos que a teoria é claramente aplicada à prática.
É de facto muito importante que todos falem a mesma lingua - bombeiros, sapadores, GIPS, FEB's, GAUF e outros técnicos - pois só assim o combate é realmente eficaz.
É impensável que existam combatentes que não sabam "ler" o incêndio! Assim, colocam em risco a sua própria vida, a dos colegas e acabamos por ter igualmente prejuizos avultadas decorrentes das perdas florestais e ambientais.
Esta relação municipal tecnico-combatentes é um óptimo passo para essa compatibilização de pensamento!
Existe algum manual deste software, para poder dar os primeios passos??
obrigado
Antonio José
O Sistema de Previsão de Campbell não exige um software específico para interpretar o que pode ocorrer á intensidade do incêndio. Para uma boa interpretação aconselho o uso de cartas topográficas, como a exemplificada em http://gtfsdoaltominho.blogspot.pt/2011/10/introducao-ao-comportamento-do-fogo_27.html e pela aplicação de cor à orientação do terreno: Plano, Norte, Este, Sul e Oeste. Igualmente, aconselho à utilização do Cartão de Flamabilidade de Campbell (http://4.bp.blogspot.com/-eX5pTi2QTzE/ThYpxbseeLI/AAAAAAAAAc8/fChjt2X7FzQ/s1600/CPSL_CURVAS.jpg), por forma a identificar se o incêndio vai subir ou descer a curva, ou seja se vai aumentar a intensidade ou reduzir, respectivamente. Siga o que vamos aqui colocando, pois de forma expedita ser-lhe-à muito útil com certeza. Existe um software que pode descarregá-lo do site: http://www.dougsfire.com/. Um Abraço. Emanuel de Oliveira
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