Fonte: NATURLINK
Artigo de: Ana Delgado, Centro de Ecologia Aplicada Prof. Baeta Neves-ISA
O fogo controlado é uma técnica de gestão florestal importante para a prevenção dos incêndios florestais.
Quais serão os impactos do fogo controlado nas aves?
Que espécies serão mais susceptíveis ao fogo? E quais serão os seus efeitos a prazo?
O fogo é um processo natural com o qual evoluíram muitos ecossistemas terrestres. Nalguns casos este constitui uma ocorrência rara, noutros um fenómeno comum. Na Bacia Mediterrânica, a coincidência da estação quente e seca cria condições climatéricas ideais para a eclosão e propagação dos incêndios de Verão, cujas proporções são inaceitáveis por causarem perdas de vidas humanas e prejuízos económicos e sociais muito graves (Rego, 1990).
Em Portugal, até algumas décadas atrás o ecossistema mantinha um certo equilíbrio, através da intervenção sistemática dos pastores e agricultores, nomeadamente pelo uso do fogo nas zonas de pastagem extensiva e pelo corte periódico dos matos (Silva, 1990). Nos anos sessenta, com o êxodo rural e desertificação humana, estas práticas foram abandonadas levando à rotura de um equilíbrio criado pelo homem, verificando-se a partir desta data um aumento do número de incêndios.
Actualmente o fogo controlado, técnica de gestão de combustíveis, pode ser uma importante ferramenta de prevenção dos incêndios florestais no nosso País (Rego, 1986). Este facto tem justificado a razoável quantidade de estudos já realizados sobre esta temática, em particular nos povoamentos de pinheiro-bravo Pinus pinaster. No entanto, no nosso País nunca foram analisados os impactos desta técnica sobre as comunidades de aves.
Este estudo teve como objectivo avaliar o efeito, a curto e médio prazo, do fogo controlado nas populações de aves. Este trabalho foi elaborado no âmbito do Projecto "Efeito do fogo controlado nas populações de vertebrados terrestres" e decorreu entre Maio de 1998 e Abril de 2000.
Metodologia
A área onde o estudo foi efectuado localiza-se no Alto Minho, no Perímetro Florestal de Entre Vez e Coura, ocupando uma área total de aproximadamente 1000 hectares. Nesta área, a técnica do fogo controlado foi introduzida como prática experimental na década de 80 (Silva, 1997).
O coberto arbóreo é dominado por povoamentos de pinheiro-bravo Pinus pinaster e pequenas manchas de folhosas e de matos. O sub-coberto é dominado por tojos Ulex europaeus e Ulex minor, urzes Eriça spp. e Calluna vulgaris, e carqueja Chamaespartium tridentatum. Nas áreas onde ocorrem fogos a espécie predominante é o feto Pteridium aquilinum.
Nesta região ocorrem algumas espécies de aves com um elevado valor conservacionista, tais como águia-real Aquila chrysaetus (Em Perigo) e o dom-fafe Pyrrhula pyrrhula (Raro), pouco abundantes no País e com uma distribuição muito localizada.
Neste estudo foram definidas duas abordagens distintas: os efeitos do fogo a curto prazo e, por outro lado, o estudo dos seus efeitos a médio prazo.
Para o estudo dos efeitos a curto prazo, caracterizaram-se parcelas que foram sujeitas ao fogo controlado na época de 1998/99. Paralelamente, foi utilizada a mesma metodologia em zonas-testemunha, com características de povoamento semelhantes mas não sujeitas ao fogo. Tanto as zonas sujeitas ao fogo controlado como as zonas testemunha foram caracterizadas antes e depois da realização do fogo. Os fogos controlados ocorreram entre Dezembro e Janeiro de 1998/99. A periodicidade na caracterização destas áreas foi realizada mensalmente.
Figura 1 - Localização das parcelas de fogo controlado amostradas no estudo do efeito a curto prazo, durante a época de 98/99. |
A caracterização das comunidades de aves foi sazonal (Primavera de 1998 e Inverno de 1998/99).
Durante a época reprodutora, a realização dos pontos ocorreu nas três primeiras horas após o nascer do sol, período de maior actividade para a maioria das espécies de aves (Bibby et al., 1992). No Inverno, os pontos foram realizados de manhã e de tarde, devido a não se verificarem picos de actividade das aves ao longo do dia. Não foram incluídas espécies para as quais o método de censos não era o mais aconselhado, tais como as aves de rapina ou espécies de hábitos nocturnos.
Resultados
Efeito do fogo a curto prazo
As espécies mais abundantes foram o chapim-preto Parus ater, carriça Troglodytes troglodytes e o chapim-de-crista Parus cristatus. Nenhuma espécie se mostrou exclusiva das parcelas sujeitas ao fogo controlado ou das parcelas não queimadas.
Logo após o fogo, verificou-se uma diminuição de abundância de aves. As espécies associadas ao estrato arbustivo são as mais afectadas logo após o fogo, devido à diminuição da cobertura do tojo, pois dependem do estrato arbustivo desenvolvido para nidificar. Para a felosa-do-mato Sylvia undata, esta tendência continua a existir após um ano desde o fogo. Para as espécies pertencentes aos grupos arbóreo e misto estas diferenças não são significativas. Um ano após o fogo, as abundâncias são semelhantes entre as áreas queimadas e não queimadas. No entanto, uma das espécies representativas do grupo misto, a toutinegra-de-barrete-preto Sylvia atricapilla, associada a meios arbustivos mais desenvolvidos, foi mais abundante nas áreas não queimadas, apresentando diferenças significativas durante a época reprodutora (Maio de 1999).
Efeito do fogo a médio prazo
Para o estudo do efeito a médio prazo, os resultados mostram que a riqueza de espécies não é afectada pelo fogo mas por outras variáveis associadas com características da parcela (nomeadamente a idade do povoamento, presença de outras espécies de árvores para além do pinheiro-bravo) e características da paisagem (presença de matos e de eucaliptais à volta da parcela). A abundância de espécies é afectada pelo tempo desde o fogo, principalmente para as espécies associadas ao estrato arbustivo. As abundâncias totais mais baixas são atingidas nas áreas recentemente queimadas e nas áreas queimadas há um ano. A abundância mínima foi atingida nas áreas queimadas há um ano devido, provavelmente, a um aumento na disponibilidade alimentar nas áreas queimadas ou devido ao “site tenacity”, ou seja, a tendência das espécies de continuarem nas áreas apesar da ocorrência do fogo. Este comportamento, foi já observado em outros estudos de aves na primeira época reprodutora após fogo (Pons, 1998; Izhaki, 1993).
Figura 3 – Abundância média total (nº médio de indivíduos por ponto) nas áreas não queimadas e nas áreas queimadas nas épocas de 96/97 (1 ano), 97/98 (- 1 ano), 94/95 (3 anos) e 92/93(5 anos). |
Os resultados mostram que o fogo afecta temporariamente a abundância de aves.
As espécies mais afectadas são as que dependem do estrato arbustivo para nidificarem. No entanto, a riqueza de espécies não é afectada pelo fogo. Este resultado deverá ser consequência da baixa intensidade dos fogos e pequena dimensão das queimas efectuadas na área de estudo.
Agradecimentos
Estiveram envolvidos no projecto "Efeito do fogo controlado nas populações de vertebrados terrestres" o Centro de Ecologia Aplicada “Prof. Baeta Neves” do Instituto Superior de Agronomia, ERENA Ordenamento e Gestão de Recursos Naturais, Lda., e a Escola Superior Agrária de Coimbra.
Bibliografia
Bibby, C., Burgess, N.D. e Hill, D.A. (1992). Bird Census Techniques. Academic Press, London. Cramp, S. Simmons, K. E. L. e Perrins C. M., eds, (1977-1994). The Birds of Western Paleartic. Vol. 1-9. Oxford University Press, Oxford. Izhaki, I. (1993). The resilience to fire of passerine birds in an East Mediterranean Pine Forest on Mount Carmel, Israel: the effects of post-fire management. In: Trabaud, L. e Prodon, R. (eds.). Fire in Mediterranean ecosystems. Ecosystems Research Report nº 5, CEE, pp. 303-314. Pons, P. (1998). Bird site tenacity after prescribed burning in a Mediterranean shrubland. In: Louis Trabaud (ed.). Fire management and Landscape ecology. Centre dÉcologie Fonctionnelle et evolutive, CNRS. Montpellier, France, pp. 261-270. Rego, F. (1986). Effects of prescribed fire on vegetation and soil properties in Pinus pinaster forests of Northern Portugal. Tese de Doutoramento, Universidade de Idaho. Rego, (1990). In: F. Castro Rego e Hermínio S. Botelho. O fogo controlado na prevenção dos fogos florestais. A técnica do fogo controlado. Universidade Trás os Montes.19-26. Silva, (1997). Historique des feux contrôlés au Portugal. Forêt Méditerranéennet. t. XVIII, nº 4.
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