O período mais crítico dos fogos, a fase Charlie, arranca hoje sem que tenha sido feita a carta anual de risco estrutural dos incêndios florestais, que permitia actualizar as zonas mais vulneráveis às chamas no Verão e pré-posicionar os meios de combate de acordo com o nível de risco atribuído a cada área.
Até 15 de Junho arderam mais de 34 mil hectares, o valor mais alto da última década (Foto: Adriano Miranda)
Entre 1995 e 2010 foi feita anualmente essa carta de risco, mas segundo, José Miguel Cardoso Pereira, que foi o responsável pelo projecto no Instituto Superior de Agronomia, por dificuldades financeiras a mesma não é feita há dois anos.
Evitando falar da carta de risco, a Autoridade Nacional de Protecção Civil desvaloriza a questão e diz que anualmente convida todos os agentes de protecção civil a actualizar toda a informação que lhe compete, incluindo os anexos respeitantes à perigosidade de incêndio florestal." A susceptibilidade aos incêndios e a perigosidade não são, na realidade portuguesa, aspectos de alteração rápida e/ou substancial, pelo que continuamos a dispor de informação histórica válida para definir os locais onde o pré-posicionamento de meios se mostra mais necessário, sem prejuízo para a relevância que seguramente tem a actualização continuada da cartografia de áreas ardidas e consequente cartografia de perigosidade de incêndio florestal que a Autoridade Florestal Nacional promove", argumenta.
Este ano já arderam até ao passado dia 15, segundo os últimos dados da Autoridade Florestal Nacional, mais de 34 mil hectares, o valor mais alto da última década. E quatro vezes superior à média dos últimos dez anos no mesmo período.
"É uma pena deixar de se fazer a carta de risco porque numa altura em que há pouco dinheiro o melhor investimento que poderíamos fazer era em informação", acredita José Miguel Cardoso Pereira. Para fazer a carta eram cruzados três tipos de dados, que dependem da realização da cartografia das áreas ardidas que não é feita há dois anos: a incidência do fogo em cada área nos últimos 30 anos, o número de anos que uma zona não ardia e o grau de verdura/secura da vegetação.
António Salgueiro, engenheiro florestal e que coordenou durante vários anos o Grupo de Análise e Uso do Fogo (GAUF), realça a importância da carta que permitia localizar as zonas com maior probabilidade e risco de arder. "Essa carta foi um dos elementos que utilizámos para definir as rotas da monitorização aérea dos fogos, que também acabou há dois anos", lamenta Salgueiro.
Também os GAUF sofreram uma mudança radical de funcionamento, tendo-se reduzido o número de equipas e também alterado a sua composição, que privilegiava técnicos florestais especializados no combate aos grandes incêndios com o uso do fogo, vulgarmente conhecido como contrafogo. Talvez, por isso, o concurso público lançado para aquisição deste serviço em Maio tenha ficado ficou deserto. "O actual modelo não é eficaz, mas serve para dizer que se mantém os GAUF", sublinha Salgueiro.
Com o concurso falhado, o ministério de Assunção Cristas optou então, por contactar individualmente todos os técnicos GAUF credenciados em fogo de supressão, tendo em paralelo iniciado o processo de pedido de autorização do Ministério das Finanças, para celebração de contratos de prestação de serviços. "Na presente data, foi identificado um conjunto de técnicos que poderão ser contratualizados", diz o ministério numa nota, deixando implícito que a contratação ainda não é certa.
Sobre o Verão, António Salgueiro não quer fazer prognósticos. "Infelizmente o que acontecer vai depender quase totalmente da meteorologia", acredita. "Apesar da seca que assistimos no início do ano, as chuvas que caíram desde Abril no Centro e no Norte tornaram a situação muito mais tranquila", nota. E acrescenta: "No Sul o nível de seca é maior, mas habitualmente temos muito menos ocorrências." Mas com temperaturas altas, níveis de humidade baixos e ventos de leste o caldo pode entornar.
Os incêndios florestais de Fevereiro e Março, que concentram quase 95% do total da área ardida até 15 de Junho, podem servir de tampão a alguns fogos, mas esse efeito será diminuto. "Quando fazemos o fogo controlado fazemos queimas pouco intensas e em locais estratégicos, o que não aconteceu com estes fogos", sustenta António Salgueiro.
Francisco Rego, professor universitário e ex-director-geral das Florestas, garante que apesar da seca o nível de risco de incêndio não é muito diferente dos outros Verões. "Com base em estudos científicos sabemos que o período de seca neste Inverno já prescreveu porque choveu entretanto e o "computador" volta ao zero", avalia Francisco Rego. O investigador mostra-se preocupado com o que chama um desinvestimento em certas áreas do combate. "A partir de 2003 e 2005 houve uma aprendizagem muito grande no sentido da profissionalização dos elementos de combate e, por isso, uma melhoria na sua eficácia, através, por exemplo, da criação dos GAUF", avalia. E continua: "Mas entretanto pôs-se de parte o conhecimento adquirido por esse grupo que não tem substituto fácil e desvalorizou-se o Grupo de Intervenção Protecção e Socorro da GNR e os Canarinhos."
FONTE: PÚBLICO
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