segunda-feira, 11 de julho de 2011

MUDAR A POLÍTICA FLORESTAL

Seguidamente, transcreve-se na íntegra um artigo de opinião do Prof. Dr. Américo Mendes, membro dos órgãos gerentes da FORESTIS.

Técnicos de GTF na execução de fogo controlado em área de baldio
submetida a regime florestal no Alto Minho

Américo M. S. Carvalho Mendes

Sócio fundador e Presidente da Direcção da Associação Florestal do Vale do Sousa e Presidente do Conselho Fiscal da FORESTIS – Associação Florestal de Portugal.

É bem sabida a necessidade de Portugal aumentar as exportações. O sector florestal, com um saldo comercial positivo de mais de mil milhões de euros e representando quase 10% das nossas exportações, pode dar um contributo sustentável para esse aumento uma vez que se baseia num recurso nacional e renovável e este recurso está subaproveitado.

Para este subaproveitamento tem contribuído uma asneira recorrente nas nossas políticas públicas que dura … há mais de cem anos. Que asneira é essa? Portugal é dos países do mundo onde a propriedade florestal privada tem maior peso relativo: ao Estado só pertence 1,2% da área florestal. À área privada comunitária (baldios) corresponde a percentagem de 5,4%, sendo tudo o resto (93,4%) área privada não comunitária. Apesar desta realidade que já existe há muitas décadas, a política florestal tem sido definida e conduzida como se a floresta fosse propriedade pública, ou pudesse ser gerida como se fosse pública.

Apesar de algumas mudanças nesta orientação nos últimos anos, nalguns casos elas pouco mais têm sido do que mudanças de retórica. Na prática está por fazer uma viragem de 180% na orientação da política florestal que eleja os proprietários florestais devidamente organizados como sendo o agente central da melhoria na gestão dos espaços florestais, proporcionando-lhes, para isso, incentivos que permitam passar da actual situação de rentabilidade social positiva e de rentabilidade privada negativa na produção florestal para uma situação onde ambas são positivas.

Uma peça importante desse sistema de incentivos foi criada em 2004, depois de … terem ardido no ano anterior 8% da área florestal. Estou a referir-me ao Fundo Florestal Permanente (FFP). O problema é que, mal este fundo foi criado foi logo capturado por interesses que desviaram boa parte das suas verbas da utilização atrás preconizada. Quem cometeu esse erro foi um governo da mesma área política do actual. Os governos seguintes não o corrigiram. O erro consistiu na criação nas Câmaras Municipais dos Gabinetes Técnicos Florestais (GTFs), dotando os municípios com técnicos florestais, brigadas de sapadores florestais e outros meios financiados a 100% com base no FFP.

Esta municipalização da política florestal é a versão actual do erro secular de que enferma a nossa política florestal. Ela decorre do seguinte “diagnóstico”: se há má gestão florestal é porque os proprietários florestais privados são “absentistas” incorrigíveis; por isso, é preciso substituí-los por outros agentes, senão na propriedade da floresta, pelo menos na sua gestão.

Durante mais de um século a ilusão foi de que esse agente substituto poderia ser a Administração Pública Central, através dos “Serviços Florestais”. Como por altura dos grandes incêndios florestais de 2003 os Serviços Florestais estavam em declínio, depois do período áureo da florestação dos baldios e de várias reestruturações geradoras de uma “crise de identidade” neste organismo, os defensores do “diagnóstico” atrás referido viraram-se para a Administração Pública Local supostamente “mais próxima” destes problemas. A concretização desta orientação, que contou com o apoio da Associação Nacional de Municípios, foi a criação dos GTFs

Os responsáveis por estas medidas “esqueceram-se” que, nessa altura, já existia uma rede de organizações de proprietários florestais (OPFs) com áreas sociais que cobriam grande parte do território florestal do país, em muitos casos, de âmbito intermunicipal (e não municipal, como os GTFs) como convém nestas coisas por razões de eficiência técnica e económica. “Esqueceram-se” que havia nessas OPFs um conjunto de quadros competentes e conhecedores desse território que poderiam fazer o mesmo que os GTFs. É certo que a qualidade destas organizações era muito diversa, mas nunca se deveria ter feito vista grossa sobre a sua existência, nem sobre a prioridade a dar ao seu reforço. Em vez disso, o que se fez foi exactamente ao contrário, ou seja, foi-se no sentido de enfraquecer as OPFs de várias formas. Uma delas, como é óbvio, foi desviar para os GTFs verbas do FFP que deveriam ser afectas ao reforço das OPFs.

A mudança de 180% que está por fazer nesta política pública deverá, então, consistir no seguinte:

a) Eleger, de facto, as OPFS como agente central da melhoria da gestão florestal;
b)
Com base no FFP e noutros instrumentos de política pública já existentes, estabelecer, sem acréscimo de despesa pública, um sistema de incentivos à produção florestal que faça com que se passe da actual situação de rentabilidade social positiva e rentabilidade privada negativa para uma situação onde ambas as rentabilidades são positivas;
c)
Desenhar esse sistema de maneira a que haja consolidação dos vários instrumentos financeiros de política pública existentes nesta área (ex. FFP, PRODER, apoios às brigadas de sapadores florestais) num único instrumento consubstanciado na figura de contratos programa de médio prazo a celebrar entre o Estado e as OPFs;
d)
Nestes contratos combinar esse co-financiamento público, que deve estar sujeito a tectos razoáveis, com recursos próprios a gerar pelas OPFs numa percentagem que deve crescer ao longo do tempo de forma gradual e realista e não de forma abrupta como agora acontece (ex. há apoios para a constituição de Zonas de Intervenção Florestal, mas depois não há nada para além disso);
e)
Dar às OPFs autonomia de planeamento estratégico para definirem os objectivos e as acções com que se comprometem nesses contratos e combater as disposições e as práticas de “comando e controlo” de que a Administração Pública nesta área é fértil;
f)
Submeter a execução desses contratos e as respectivas OPFs a avaliações de desempenho independentes e transparentes, condicionando a continuidade do co-financiamento público ao bom desempenho, ou seja, premiando os melhores e não penalizando-os, como agora acontece neste país de incentivos ao contrário (se não fosse a limitação de espaço daria aqui exemplos deste tipo de incentivos que conheço por experiência própria).

1 comentários:

Anónimo disse...

Acho que devemos de convidar o autor deste artigo a visitar o Alto Minho e conhecer de perto os GTF's, para avaliar o trabalho desenvolvido e suportado financeiramente pelos Municípios, onde não se exclui a comparticipação financeira destes às OPF's locais para apoio às equipas de Sapadores Florestais. Os custos destas equipas não terminam na comparticipação salarial (metade, pois a outra parte é da responsabilidade da AFN), mas também nos custos com combustíveis, serviços de manutenção e reparação de equipamentos e veículos, bem como o seu fardamento e apoio aos técnicos de acompanhamento (OPF's) e nalguns casos, a cedência do espaço técnico (instalações, electricidade, águas, etc..
No Alto Minho, a relação entre OPF's e GTF's tem brindado pela elevada cooperação, a qual o Prof. Dr. Américo Mendes parece desconhecer! Assim como também parece desconhecer, o que os Municípios têm vindo a desenvolver no espaço florestal, na maioria comunitário submetido ao regime florestal, em matéria de defesa da floresta contra incêndios, pois a gestão é da responsabilidade dos conselhos directivos dos baldios e da AFN. Acções estas com os custos inerentes que ultrapassam os milhares de euros/ano, são suportadas apenas pelo erário público, onde os municípios em nada são ressarcidos!
Contudo, é uma opinião que pode ter algum fundamento, mas não na nossa região, pelo que discordo completamente!

Emanuel de Oliveira
Técnico do GTF de Vª Nª de Cerveira

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