sábado, 1 de setembro de 2012

Incêndios florestais, a cara amarga do verão

Artigo de Rosa Planelles, professora de Defesa da Floresta na Escuela Técnica Superior de Ingenieros de Montes da Universidad Politécnica de Madrid, sobre os incêndios que assolam a floresta espanhola.

24.07.12 Por ROSA PLANELLES.

Todos parecemos treinadores de futebol

Opinamos sobre os alinhamentos da nossa equipa nos jogos, as posições ocupadas pelos jogadores, as mudanças ou os momentos mais oportunos para fazê-las. Quando a equipa ganha, todos ganhamos mas quando perde, a culpa é do treinador… Quando ocorre um grande incêndio florestal a situação parece-me semelhante.

Parece que todos sabemos o que ocorreu ou o que deveria ter acontecido; ouvem-se frases como “houve falta de coordenação”, “não havia meios suficientes”, “os meios chegaram tarde”, “ardem os pinheiros”, “queima-se para edificar”, “o monte não estava limpo”, “falta de orçamento”… Opinamos, valorizamos, julgamos…excepto que, diante dos possíveis resultados no terreno futebolístico, no campo florestal nunca há vitórias, os incêndios são sempre batalhas perdidas. Uma vez iniciado um incêndio florestal, por ma´s rápido que se actue, por muito bem que se trabalhe, sempre há perdas (nas estatísticas não aparecem as vidas protegidas, as habitações defendidas ou os hectares que se conseguiram salvar).

O facto de acreditarmos de que todos podemos opinar sobre estes temas está em parte influenciado pelos meios de comunicação que dirigem os nossos pensamentos e opinião que aportam certos dados que cremos que nos habilitam para opinar como veemência como se soubéssemos do que estamos a falar, como se fosse fácil dar soluções a problemas tão complexos, para os quais existem muitas pessoas, profissionais de várias áreas, a trabalhar desde há muito tempo, esforçando-se por continuar a melhorar nas suas respectivas responsabilidades, arriscando inclusive as suas vidas quando trabalham na frente de chamas.

Obviamente, em ambas situações há uma (entre muitas outras) diferença fundamental. O futebol, apesar de que para muitos é um trabalho e a sua fonte de receitas, para a maioria é um entretenimento, uma via de escape, ócio e de gozo em definitivo, enquanto que os incêndios, os grandes incêndios em especial (definidos como aqueles que afectam superfícies maiores a 500 hectares; em Portugal superior a 100 hectares), são uma tragédia que ainda que nos toque a todos da mesma forma, queiramos ou não, afecta-nos a todos. Assim, constata-se que quando se fazem inquéritos sobre quais sãos os principais problemas ambientais que afectam o nosso território: a maioria dos espanhóis identifica os incêndios como um dos mais importantes (Relatório Greenpeace, 2008).

Os devastadores efeitos das chamas

Porquê? Quais são os efeitos que provocam os grandes incêndios? A resposta estará ligada à escala a que decidimos avaliar esses efeitos, uma escala tanto espacial como temporal: não são comparáveis os efeitos de incêndios de poucas dezenas de hectares numa área protegida, com incêndios de milhares de hectares, ou incêndios recorrentes numa vegetação que não teve tempo de recuperar. A casuística é muito variada, de tal forma que, simplificando muito, os incêndios florestais produzem efeitos sobre as pessoas, directos (dezenas de mortos e feridos) e indirectos, assim como enormes perdas económicas imediatas (para os proprietários de bens afectados, sejam particulares ou a Administração pública) por perda de muitos produtos (madeira, frutos, caça, cortiça, cogumelos, resina, caruma e etc.). Também danos ambientais “intangíveis”: redução da qualidade do ar, emissão do CO2 e contribuição para o efeito estufa, perda de controlo e defesa contra enxurradas e secas (aumento da erosão), degradação da paisagem (muito relacionado com o ócio e o recreio), etc., além do grande alarme social (lamentavelmente na maioria dos casos, transitório).

Se os efeitos são tantos e tão importantes como poderíamos antecipar-nos e prever os incêndios florestais? Para esclarecer esta questão devíamos responder antes a outra questão: o que é necessário para que ocorra um incêndio florestal?

Os elementos imprescindíveis para que ocorra um incêndio florestal podem ser representados graficamente com um triângulo cujos lados são: combustível, oxigénio e fonte de calor. O combustível, matéria vegetal, está disponível no nosso território cada vez mais em maior proporção devido a causas estruturais (fundamentalmente pelo abandono das práticas tradicionais na floresta associada ao despovoamento de grandes áreas). O oxigénio está sempre presente. Estudando o terceiro lado, a fonte de energia, entra a investigação de causas dos incêndios, já que na presença de oxigénio e do combustível disponível para arder é necessária alguma fonte de calor para iniciar a combustão.

Um fenómeno difícil de eliminar

Segundo mostram as estatísticas que aportam ao Ministério de Agricultura, Alimentação e Meio Ambiente de Espanha, em todas as Comunidades Autónomas (que são as Administrações competentes nesta matéria), mais de 95% dos incêndios originam-se por causas antrópicas, causas que se classificam em intencionais ou por negligência e acidentes. Logo, é às pessoas a quem há que dirigir os esforços de informação, consciencialização e conciliação, sem esquecer a sanção (administrativa ou por via penal) como ferramentas preventivas. Conhecendo em detalhe os problemas de cada zona e de cada comunidade em concreto, trabalhando continuamente pode-se fazer muito para avançar na prevenção.

Assim evitaremos incêndios? Não. Os incêndios estão longe de ser um fenómeno que possamos eliminar. Vivemos num ambiente mediterrânico, desde sempre conviveu-se com o fogo e assim se seguirá , pois o fogo tem ajudado a modelar a paisagem e as espécies que habitam na nossa floresta e é uma ferramenta que podemos e devemos de seguir usando ordenadamente, incorporando os conhecimentos técnicos e científicos que fazem do fogo uma técnica de gestão de combustível para dirigir essa gestão de forma adequada, para que quando se produzam situações meteorológicas adversas (a conhecida Regra do 30: mais de 30 ºC de temperatura, humidade relativa inferior a 30%, velocidade do vento superior a 30 km/h e mais de 30 dias sem chuva ou de seca acumulada) possa-se reduzir o risco de ocorrência de um grande incêndio florestal.

Incido nos grandes incêndios florestais. Escrevo sobre eles neste mês de julho, época estival, a de maior risco em quase toda a Espanha, mas devemos abrir o foco de visão: incêndios florestais há no nosso país durante todo o ano. A intervenção rápida dos meios de extinção existentes faz com que mais de 70% dos quase 15 000 incêndios que se contabilizam anualmente como valor médio na última década fiquem no que se considerou conveniente chamar de fogacho, isto é, incêndios menores de 1 ha. Cerca de 25 a 30 incêndios convertem-se anualmente em grandes incêndios. A problemática desta situação vê-se agravada quando estes grandes incêndios afectam zonas de interface urbano-florestal, isto é, zonas de vegetação misturadas com habitações ou aglomerados rurais, em íntimo contacto, situação cada vez mais habitual e de grande complexidade no seu tratamento.

Falar de incêndios florestais como um fenómeno isolado que precisa de tratamento em si mesmo, que o é, seria focar o tema de modo parcial. Na minha opinião, deve-se demarcar a defesa da floresta contra incêndios na planificação territorial e, mais concretamente, na gestão florestal. Um adequado conceito de gestão florestal integral seguindo os princípios de multifuncionalidade do monte, ligada estreitamente à conservação da biodiversidade permitirá planificar a gestão do combustível com uma ampla perspectiva: gestão da biomassa para a produção de energia renovável, prática de silvopastorícia, tratamento silvícolas, aproveitamento sustentável de madeira e outros produtos, todas estas actividades são geradoras de emprego e portanto, capazes de fixar a população no meio rural.

Consenso entre técnicos e investigadores

Particularmente penso que se está a avançar muito neste tema, que existe bastante consenso entre os técnicos e os investigadores inclusive a nível internacional, mas que falha. Em primeiro lugar, a conexão destes profissionais com a politica, caracterizada por uma visão geral de curto prazo que busca o imediato nas medidas para um retorno instantâneo. Ambos ritmos (o politico e o natural) não encaixam: a floresta necessita de tempo para instalar-se, desenvolver-se e garantir a sua persistência. A planificação da gestão (e com ela os respectivos orçamentos) deve consolidar as linhas iniciadas, mantendo-as junto com os recursos necessários, para além do símbolo politico governante ou do prazo de quatro anos que dura a legislatura.

O outro aspecto claramente melhorável é a comunicação dos profissionais implicados na defesa contra os incêndios florestais com o conjunto da sociedade. Transmitir adequadamente o que se está a fazer, tratando de informar com veracidade e rigor, aproximando esta realidade a todos que como disse, estamos implicados neste tema, é parte essencial da solução do problema.

A todos os níveis, entre os que entendo que a Universidade tem um importante papel, como responsável da formação dos futuros técnicos que serão os próximos gestores territoriais, investigadores, professores…que deverão continuar com o trabalho iniciado, incorporando os avanços que se vão produzindo num cenário geral de mudança climática que previsivelmente favorecerá a ocorrência de incêndios florestais no âmbito territorial mediterrânico. Neste sentido, eu com estas linhas apenas pretendi dar umas pinceladas sobre certos aspectos gerais deste complexo mundo ao redor dos incêndios florestais.


ARTIGO ORIGINAL


Traduzido por: Emanuel de Oliveira
SMPC/GTF de Vª Nª de Cerveira

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