quarta-feira, 3 de agosto de 2011

Na prática para que serve o Sistema de Previsão de Campbell!?

Abordamos o Sistema de Previsão de Campbell nos últimos posts e constatamos a sua operacionalidade na determinação do comportamento do fogo na frente de chamas, bem como a importância da formação de todos os combatentes ao nível da análise e ao nível da comunicação – a Linguagem.

E na prática como podemos usá-lo?

Seguidamente, como exemplo descreverei o comportamento de um incêndio em que participei este ano e que permite de certa forma validar o CPSL no campo, no que respeita ao comportamento do fogo num incêndio florestal, nas acções de vigilância activa pós-incêndio e nas manobras de rescaldo.

No passado dia 27 de Junho, por volta das 18:40 horas (cerca das 18 horas solares) deflagrou um pequeno incêndio, numa encosta Este do monte da Costa, freguesia de Cossourado, Concelho de Paredes de Coura, nos limites com os Concelhos de Valença e de Vila Nova de Cerveira. A ocorrência teve início num espaço ocupado por matos e algum pinhal regenerado e com origem junto ao perímetro de um incêndio ocorrido nas primeiras horas da manhã, ou seja por reacendimento.

O incêndio iniciou-se numa encosta “fria” àquela hora, mas quando chegou à linha de cumeada, ganhou intensidade e aumentou a sua velocidade de progressão, entrando em contacto com a encosta Oeste, coberta de combustíveis quentes. Sem muita acção do vento e evoluindo contra declive, ou seja em Médio Alinhamento (2/3), em pouco tempo o incêndio foi dominado, cujo combate foi facilitado com o apoio do meio aéreo ligeiro (arderam cerca de 6,5 hectares). Seguidamente, procedeu-se à manobra de rescaldo. A zona correspondente à cabeça e flanco direito mereceu um maior cuidado, devido à elevada quantidade de folhagem seca e húmus, derivada de uma plantação de cupressáceas, pelo que se abriu uma faixa com material de sapador apoiada com água e procedeu-se à eliminação de pontos quentes junto ao perímetro. A zona correspondente à cauda limitava com matos densos e eucaliptal, a qual obrigou a trabalhos de rescaldo e vigilância. O flanco esquerdo estava limitado por um caminho.

No dia 28 de Junho, pela manhã e tarde mantiveram-se as equipas de sapadores em vigilância com atenção especial à área correspondente à cauda, dada a densidade dos combustíveis limítrofes. Por volta das 16:00, enquanto a equipa de sapadores procedia à vigilância do perímetro a norte, eu e outro colega do SMPC, em conjunto com a Equipa de Protecção Florestal (GNR) local, aferíamos a área ardida. Quando entramos na encosta Oeste, constatamos o incendiar da copa da árvore de uma cupressácea por radiação do solo quente ardido. Apesar da distância, mas com o auxílio do vento forte (27 km/h), propagou-se o fogo às copas das árvores fora da faixa (cerca de 5 metros), conduzindo este reacendimento a um incêndio que lavrou cerca de 96 hectares de povoamento adulto e regenerado (de 6 anos). O incêndio progrediu a grande velocidade e com elevada intensidade sobre combustíveis quentes, a favor do vento e do declive. Durante o incêndio registaram-se diversos focos secundários resultantes de material incandescente projectado pelo vento e pela intensa coluna convectiva, bem como reacendimentos nas faixas de contenção.

Durante o combate, no Posto de Comando, procedi à elaboração do croqui do incêndio e à previsão do desenvolvimento futuro com base no comportamento do fogo. No final do incêndio, a área ardida levantada com recurso a GPS coincidiu com a previsão traçada no croqui horas antes! Estava testado o CPSL neste incêndio!

Ao analisarmos o comportamento deste incêndio, nas diversas etapas, desde o foco nascente até ao seu desfecho, podemos compreender que para além da necessidade das faixas de contenção terem que ser mais largas e que as árvores nos limítrofes, com copas não ardidas, terão que ser derrubadas, também temos que proceder à vigilância das partes do incêndio expostas de acordo com as curvas de inflamabilidade. Daí que torna-se importante mobilizar e localizar as equipas de acordo com as curvas horárias de inflamabilidade e prestando atenção aos restantes factores de alinhamento.

É fundamental que o técnico responsável, à semelhança dos combatentes, domine o Sistema de Previsão de Campbell, baseando-se na experiência no acompanhamento das ocorrências e na análise detalhada de cada incêndio, pequeno ou grande.

Fica aqui o desafio, pois só poderemos combater melhor se conhecermos melhor o inimigo – o Fogo!

Desenvolvido e postado por:

Emanuel de Oliveira

SMPC/GTF de Vª Nª de Cerveira

2 comentários:

Paulo Fernandes disse...

Óptimo ver o CPS a ser usado. Mas atenção que isto é apenas o básico, uma forma intuitiva de analisar o comportamento do fogo. O verdadeiro analista de incêndios deve recorrer a métodos quantitativos!

Anónimo disse...

Caro Paulo Fernandes,

Temos que dar um pontapé de saída e louvo por agradar-se na divulgação do CPSL, algo que até aqui tem sido pouco divulgado ao extenso grupo de combatentes de incêndios florestais. Coisa que na vizinha Espanha é dado há cerca de 15 anos!

Há que começar por algum lado e esse lado é a base do triângulo do combate aos incêndios florestais - os Combatentes. Creio que é fundamental divulgar o CPSL a todos os combatentes, ultrapassando-se a barreira do puramente técnico e isso implica a integração, a divulgação e a formação em matéria de comportamento de fogo.É mais que oportuno, os técnicos apoiarem os combatentes!
O CPSL constitui uma temática importante a desenvolver junto dos bombeiros, sapadores e outros, quer pela uniformização de conceitos quer pela linguagem de combate simples e acessível que pode influenciar, e muito, a adopção de tácticas e o sucesso do combate.

Concordo com a adopção de métodos quantitativos, mas tal deve ser de âmbito técnico e não para os combatentes no TO!

Emanuel de Oliveira
SMPC/GTF Vª Nª de Cerveira

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