terça-feira, 14 de junho de 2011

Protecção florestal ao acaso e o acaso das florestas públicas

No Jornal Público de 12 de Junho do corrente foi publicado um artigo da responsabilidade conjunta do Prof. Francisco Rego do ISA (ex-Director Geral dos Recursos Florestais) e do Eng.º António Salgueiro da GIFF, SA (ex-Coordenador das Equipas GAUF). Trata-se de um artigo de opinião que reflecte o ponto de vista em matéria da gestão florestal e do uso do fogo. Deixamos para conhecimento e apreciação de todos este artigo na íntegra.

Protecção florestal ao acaso e o acaso das florestas públicas

Público 20110612 Francisco Castro Rego

(clique na imagem para ampliar e poder ler)

O impacto dos incêndios florestais no ano de 2010 foi de novo particularmente destruidor nalgumas manchas florestais

Depois dos anos terríveis de 2003 e 2005 e de anos mais favoráveis a partir de 2006, o impacto dos incêndios florestais no ano de 2010 foi de novo particularmente destruidor nalgumas manchas florestais públicas, relevantes pela sua importância económica, social, paisagística ou ambiental, de muitos concelhos dos distritos do Norte e do Interior Centro do país. Em muitas destas áreas perdemos a capacidade da floresta se reconstituir naturalmente e a oportunidade de aproveitar as condições criadas pela falsa "pesada herança do pinhal bravo" para a sua reconversão por espécies mais interessantes do ponto de vista ambiental e de gestão do risco de incêndio.

Em 2010, foram já ultrapassadas grandes metas do Plano Nacional de Defesa da Floresta Contra Incêndios, destacando-se os 25 incêndios com mais de 1.000 ha cada, contra um objectivo de zero, muitos dos quais em áreas "geridas" pelo Estado. No entanto, a imagem que se pretendeu passar, no balanço da campanha de incêndios de 2010, foi de que a culpa foi da meteorologia, o que desde logo desresponsabiliza toda a sociedade e a conclusão foi que poderia ter sido ainda pior!

Continuamos focalizados sobre os números simples do custo absoluto ou sobre o número de meios disponíveis, sem nos preocuparmos com os verdadeiros resultados de eficiência. Seria de esperar que os acontecimentos de 2010 provocassem uma preocupação acrescida por parte da estrutura pública responsável simultaneamente pela prevenção estrutural contra incêndios florestais e pela gestão de parte significativa das nossas florestas públicas, a Autoridade Florestal Nacional.

No entanto, aquilo que tem vindo a acontecer consiste essencialmente no oposto. É alarmante a actual falta de orientação estratégica na Defesa da Floresta Contra Incêndios, parecendo existir uma enorme vontade de substituição de objectivos e iniciativas sustentadas a médio e longo prazo, baseadas no conhecimento, responsabilização e profissionalização, pelo empirismo e a publicitação de acções isoladas, num jogo de faz-de-conta que vai entretendo a opinião pública.

As posições tomadas consistem essencialmente na negação do processo evolutivo e participativo que vinha a ser implementado por uma estrutura da própria organização, a Direcção Nacional para a Defesa da Floresta (DF), desrespeitando alguns técnicos excelentes desta estrutura que, apesar de tudo, se têm mantido empenhados em tentar minimizar os estragos. Refira-se que muita desta evolução foi conseguida com a colaboração técnica e operacional do projecto europeu Fire Paradox (2006-2010), em que contribuíram especialistas e operacionais de vários países, de reconhecido mérito internacional.

Este processo de retrocesso na AFN, iniciado em 2010, teve já impactos muito negativos em várias iniciativas e actividades, nomeadamente:

- Pelo cancelamento do projecto do Grupo de Especialistas de Fogo Controlado (GEFoCo), cujo trabalho desenvolvido, entre 2007 e 2010, permitiu a aplicação desta técnica em cerca de 3.500 hectares, que contribuíram para a contenção de mais de 50 incêndios florestais nos últimos 3 anos, protegendo importantes manchas florestais públicas. Estas acções contribuíram ainda para colocar novamente Portugal como um dos países da Europa com maior e melhor utilização do fogo controlado para a Defesa da Floresta Contra Incêndios, de que são prova os inúmeros convites para apresentação da nossa experiência além-fronteiras.

- Pela tentativa de acabar com o Grupo de Análise e Uso do Fogo (GAUF), a única estrutura técnico-operacional dedicada exclusivamente à prevenção e ao combate a incêndios florestais, cujos requisitos de formação, capacitação, dedicação e independência serão considerados exagerados e desnecessários pelos actuais responsáveis máximos da AFN. Estas equipas colaboraram no combate, nos últimos 5 anos, a mais de 300 grandes incêndios, intervindo quando estes atingem grandes proporções ou ameaçam áreas florestais relevantes. Os mesmos dirigentes têm vindo a desenvolver um processo, pleno de episódios rocambolescos, para suprimir estas equipas ou para a substituição destes profissionais por qualquer figurante que queira vestir o equipamento.

- Pela tentativa de suspender a actual regulamentação sobre o uso do fogo técnico (uso do fogo na prevenção e no combate a incêndios florestais), uma das mais avançadas da Europa, que define as condições da formação e da utilização do fogo, através nomeadamente da responsabilização dos utilizadores. Esta questão é particularmente delicada num país em que muitos dos utilizadores ad hoc do fogo no combate (vulgo contra fogo) pretendem o anonimato de forma a nunca serem associados aos impactos negativos (e muitas vezes perigosos) da má utilização desta técnica poderosíssima mas extremamente exigente.

- Pela paragem do processo de enquadramento e facilitação da realização das queimadas para a pastorícia, em períodos de baixo risco de incêndio. O objectivo principal consistia na criação de condições para retirar ao máximo esta causa de incêndios do período crítico e cujos resultados frequentemente são negativos para os próprios causadores.

- Pela não-sequência às propostas feitas para implementação de um necessário Plano Nacional de Uso do Fogo.

E, para corolário deste retrocesso, em vez de se prosseguir o investimento em conhecimento, estratégia e antecipação, a AFN resolve transferir 2 milhões de euros do Fundo Florestal Permanente, destinados à prevenção, para a contratação de meios aéreos para o combate.

Esperemos, mais uma vez, que a meteorologia ajude, de forma a podermos ainda manter as poucas manchas florestais emblemáticas que restam no Centro e no Norte deste país, cuja vocação principal, segundo concluía um famoso economista num aprofundado estudo levado a cabo nos anos 80, era o sector florestal. Só não se entende como pode um sector tão promissor ser abandonado a uma tão grande falta de responsabilidade e de estratégia, que levou a que a entidade pública responsável máxima pelo sector florestal tivesse conhecido, entre 2009 e 2010, três presidências e duas secretarias de Estado e respectivos adjuntos. É mais que tempo de pedirmos responsabilidade e avaliação de impacto das decisões (ou da sua falta) aos nossos dirigentes máximos públicos.

Parece, infelizmente, que as lições aprendidas com os terríveis incêndios florestais de 2003 e 2005 (que percorreram 1/4 dos nossos espaços florestais) estão a ser agora esquecidas e que o esforço e investimento feitos na organização, no conhecimento e na utilização do fogo (na prevenção e no combate), que tão bons resultados proporcionaram, estejam agora a ser abandonados. Seria previdente e urgente encararmos esta realidade e agirmos racionalmente, com a consciência de que existem hoje condições de acumulação, continuidade e características de combustíveis que podem originar incêndios piores do que aqueles que o país conheceu em 2003.

Ainda estamos a tempo de corrigir o processo! Professor do Instituto Superior de Agronomia, ex-director-geral dos Recursos Florestais; coordenador do Grupo de Análise e Uso do Fogo da Autoridade Florestal Nacional




Postado por: Emanuel Oliveira
SMPC/GTF de Vila Nova de Cerveira

5 comentários:

Emanuel de Oliveira disse...

Creio que o artigo de opinião dos dois conceituados técnicos, chama a situação a duas situações essenciais que estão intimamente relacionadas e indissociáveis, por um lado a gestão e ordenamento florestal por outro a defesa da floresta. Contudo, é preciso salientar que a situação tem vindo a agravar-se derivada da conjuntura financeira e ao esvaziamento de recursos da estrutura do Estado. Lembro que no Alto Minho apenas existe um técnico da AFN apoiado por 3 equipas com cerca de 16 elementos, para uma vasta área de baldio submetido ao regime florestal, quando ainda até à década de 80, só em Vila Nova de Cerveira, existia uma brigada (Brigada 28) com cerca de 30 elementos.
Por outro lado, obviamente concordo sobre a necessidade de fomentar o uso do fogo técnico (fogo controlado) como forma de criar zonas de protecção e defesa florestal. Por essa mesma razão defendeu-se no Alto Minho a formação dos técnicos dos GTF's para dar resposta a essa necessidade tão bem conhecida por todos e a qual mereceu o apoio do Governo Civil de Viana do Castelo e dos Municípios.
Discordo, no que se refere ao fim do GAUF, pois tenho visto a AFN desde que foi criado empenhada em apostar na sua continuidade, basta para tal ver a Directiva Operacional Nacional n.º 2 – DECIF para o ano 2011 e o último concurso para a requisição de serviços para o desempenho nas funções consignadas às equipas do GAUF que prestarão serviço em todo o país.

Na minha opinião, o problema está na perda de valor e desinteresse económico e logo, social, da floresta, devido à falta de resposta na gestão, pois creio que só poderemos defender algo que está devidamente gerido e guardado. É muito difícil para os combatentes, sejam eles bombeiros, sapadores florestais, GIPS, GAUF ou outros, a proteger no verão aquilo que se assemelha a um barril de pólvora e que não se pode mudar em meia dúzia de anos.

Creio sinceramente que aqui os municípios, em cooperação com a AFN, com os Gestores dos Baldios, com as OPF's locais, entre outros, podem jogar um papel importante como entidades com funções no ordenamento e gestão desse espaço. Os municípios estão hoje dotados com técnicos que ao final de há já alguns anos possuem experiência, formação, empenho e dedicação para apoiarem à necessária mudança da floresta nacional e à sua urgente valorização, para a criação de riqueza no mundo rural.

Anónimo disse...

É preciso ter descaramento! Parece mais uma táctica de aproveitamento político, pois alguém já está a piscar o olho à nova direcção dos serviços florestais, à espera de poleiro!!!!
Na introdução do post diz que o eng. António Salgueiro é da GIFF e no artigo do jornal diz que é coordenador dos GAUF da AFN, o que é estranho!!!!....já que está em andamento um concurso público da AFN para coordenadores das equipas GAUF para estes 3 meses de época de incêndios na módica quantia de 125 mil euros para 6 técnicos que vão coordenar os técnicos da entidade contratante! Será que já está adjudicado à GIFF!!!!? Ou é um acto de clarividência ou foi á bruxa!

Este senhor que dirige a GIFF e que até aqui gozou de vários contratos milionários com a afn, vem agora queixar-se que Afn quer acabar com os GAUF!!? talvez porque alguém fartou-se e colocou em concurso público algo que era costume entregar-se à GIFF de mão beijada!!!! Queixa-se dos 2 milhões de euros prós meios aéreos e esquece-se do que recebeu até aqui, se não ultrapassou esse montante, então esteve muito perto!!!!!
Este senhor tal como outros “gaufes” que se acham tão bons nos incendios florestais e que participaram no ano passado em 300 grandes incendios e que tanto condenam o que aconteceu em 2010, então pergunto o que andaram lá a fazer!!!!? mostraram resultados da sua "prestigiada eficiencia"!? e quanto custou isso ao estado?

Quando aponta o dedo para alguém, tem logo 4 dedos a apontar pra ele! Ninguém diz que não tenha razão, mas perdeu uma boa oportunidade de estar calado, quando tem telhados e paredes de vidro... Só esperamos que os gtfs não queiram também armarem-se em gaufes e assumir essa posição no combate a incendios!!!! Esperemos que não!

Combatente farto de pseudo-combatentes

Emanuel Oliveira disse...

Para esclarecimento:

1. Todos somos combatentes, quer sejam bombeiros, sapadores florestais, elementos do GIPS-GNR ou do GAUF-AFN, da FEB-ANPC ou mesmo técnicos dos GTF's dos Municípios ou os voluntários das freguesias com os seus kits. No entanto, com funções diferentes e todos sãos necessários.A sua eficácia e os custos, obviamente deveriam de ser medidos e controlados pelo Estado, bem como a responsabilização da actuação e dos resultados, de acordo com o que cada um assume no teatro de operações, ou mesmo na execução dos planos de defesa, pois o que está no papel deveria de ser materializado no terreno.
2. Só posso falar por mim, individualmente, pela minha experiência no desempenho de funções num GTF do Alto Minho e o que posso dizer é que o GAUF faz falta, mas não resolvem os problemas, mas podem ajudar. Creio que também poderiam ser estruturados de forma diferente, provavelmente!
3. No que respeita ao fogo controlado os GTF's do Alto Minho obtiveram formação para esse fim,pois também somos responsáveis pela execução dos planos de defesa e pela execução das parcelas de queima com o trabalho e os custos suportados pelos nossos municípios, logo cremos que também faz sentido que a gente se responsabilize pelo o uso do fogo técnico para queimadas licenciadas e para o fogo controlado. Daí que podemos vestir a farda.
4. No que respeita ao fogo de supressão, este diz mais respeito a quem faz o combate, pelo que o seu uso obriga a muitas horas de fogo ao longo do ano e a formação específica sobre comportamento de fogo e a um bom conhecimento de questões relacionadas com meteorologia, topografia e combustíveis e requer de igual modo um bom conhecimento local. Agora, isso não é motivo de confundir as funções dos GTF's, as quais prendem-se sobretudo, exclusivamente, com acções preventivas, baseadas nos planos aprovados.

Espero ter sido esclarecedor!

Anónimo disse...

Gostei do artigo em questão, mas em relação ao uso do fogo controlado tem muita coisa que se devia explicar publicamente.

Meus senhores, os bombeiros portugueses sempre souberam usar o fogo como arma de supressão a incêndios florestais, basta ver os conteúdos programáticos dos cursos de combate aos incêndios florestais na Lousã. Estamos salientes que é uma técnica arriscada, por isso o seu uso deve ser bem analisado, independentemente de existirem vários factores impossíveis de serem dados como certos, e sempre aconteceram situações que o uso do fogo não correu como certo, como tem acontecido por várias vezes aos GAUF como é sabido.

Mas a partir de 2005 os bombeiros foram proibidos usar o fogo controlado, uma afronta que deu muito que falar, tudo para se criar mais um tacho muito rentável e as coisas no terreno pioraram, não pioraram mais porque São Pedro tem ajudado como é sabido, veremos como será as coisas este ano.

Amélia Freitas - GTF Caminha disse...

O Fogo Controlado não é a mesma coisa que Fogo de Supressão!

São "coisas" distintas porque no fundo detém objectivos diferentes!
O fogo controlado, vulgarmente chamado fogo frio ou fogo de Inverno, detém objectivos de prevenção dos incêndios, para apoio à pastorícia ou mesmo ecológicos, uma vez que em determinados ambientes, o fogo promove a biodiversidade!

O Fogo de Supressão é uma técnica de combate aos incêndios florestais que engloba o contra fogo e/ou o fogo táctico e envolve a necessidade de um grande conhecimento do comportamento e ambiente do fogo.

E esta técnica não foi proibida aos bombeiros!
A utilização desta técnica, pela sua complexidade de utilização, já que tem que ser ponderadas uma série de variáveis, deverá ser preferencialmente por pessoas que percepcionem o ambiente em que o fogo se está a desenvolver e possam prever o seu comportamento e assim desenvolver estratégias de combate.

Mas o próprio Regulamento do Fogo diz que o COS pode utilizar o fogo, desde que obtenha autorização expressa da ANPC e cuja operação fique registada em fita de tempo (nº4 Artigo15º)

Mas muitas vezes essa técnica é utilizada sem ser dado esse conhecimento e além disso em situações de cansaço que não permitem uma correcta leitura do incêndio, o que é normal e humano.
Por isso a ajuda de técnicos que possuam conhecimentos mais desenvolvidos em comportamento de fogo são uma mais valia e podem apoiar o combate quanto mais não seja no apoio à decisão de manobras.
Aliás os bombeiros deveriam obter formação mais especializada na área do comportamento do fogo para que o seu combate seja com recurso a água, ferramentas manuais ou fogo, decorra de uma forma mais eficaz e com maior segurança para os combatentes.

Nos tempos de hoje, todos somos poucos para a causa e necessitamos rentabilizar os nossos recursos e desenvolver sinergias. E um bom exemplo é o facto de as corporações poderem receber formação de técnicos com conhecimento mais aprofundado nesta área e os próprios técnicos aprenderem com a experiência de quem já anda no combate à muitos anos, e assim criar uma proximidade que só é de todo útil num Teatro de Operações.

Todos somos poucos para esta causa e devemos ter a humildade de reconhecer as nossas fragilidades e lacunas e unirmo-nos para que o resultado possa ser sempre melhor!

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