sábado, 26 de maio de 2012

ANÁLISE AOS INCÊNDIOS FLORESTAIS COMO INSTRUMENTO DE PREVENÇÃO E DE EFICIÊNCIA

Post de: Emanuel Oliveira
SMPC/GTF Vª Nª de Cerveira

Portugal sofre nos últimos anos as consequências de episódios meteorológicos que associados aos modelos de combustível e à topografia, principalmente do Norte e Centro do país, bem como à mudança e declínio da sociedade rural, reúne condições propícias para sofrer, ano após ano, numerosos incêndios, grandes incêndios florestais e avultadas perdas económicas nas acções de combate e por vezes com perda de vidas de combatentes e da população.

Ano após ano, ardem milhares de hectares de floresta e em consequência criam-se e alteram-se leis, organogramas, medidas e actuações, no entanto aquilo que é fundamental para planificar a gestão florestal defensiva e o combate aos incêndios florestais não é colocada em prática, isto é – a Análise Técnica dos Incêndios Florestais.
Não existe uma ciência exacta em matéria dos incêndios florestais. Daí a necessidade de estudar, observar e recolher dados durante os incêndios que infelizmente repetem-se continuamente, principalmente os incêndios com mais de 100 hectares de área ardida.
Em Portugal, com numerosos incêndios e grandes incêndios florestais sucedidos, praticamente não existem análises técnicas desses incêndios, não há documentação sobre a ocorrência. A informação existente, registada nas fitas de tempo e nos relatórios das diferentes unidades de combate, apenas referem-se ao desenvolvimento e resultados do combate, limitando-se a simples dados estatísticos que nada contribuem para acções futuras quer na prevenção quer na aplicação de estratégias e táticas mais eficientes. Os incêndios florestais em Portugal carecem de uma análise técnica, logo ano após ano, os mesmos erros repetem-se!

A recolha de dados é fundamental durante as diferentes fases do incêndio e esta tarefa, obviamente, não pode ser realizada por quem está com responsabilidades nas operações de combate. Cabe ao técnico proceder ao trabalho de recolha de dados, registando no Teatro de Operações (TO) as acções e os recursos envolvidos desde a detecção ao rescaldo, o comportamento do fogo em relação às táticas e aos meios utilizados, a determinação das isócronas dos diferentes perímetros de progressão do incêndio, tendo ainda em consideração a meteorologia e a topografia.

Estes dados uma vez tratados e analisados permitirão em acções futuras, a aplicação de procedimentos, de estratégias e táticas mais adequadas, reduzindo o grau de improviso na tomada de decisão no combate e melhorando a eficiência na utilização dos meios disponíveis. A avaliação objectiva dos meios permitirá uma adequação dos meios e recursos a envolver.
Através da análise técnica pode-se contribuir para evitar a falta de meios e recursos apropriados em caso de ocorrências que dêem normalmente origem a grandes incêndios florestais. Por outro lado, contribuirá, de igual modo, para evitar um excesso de recursos e meios, procurando o necessário ajustamento entre a eficiência operacional e a eficiência económica que muitas vezes é posta em causa, porque não se teve uma leitura correcta do comportamento do fogo num incêndio florestal ou melhor, porque não houve Análise.

A análise técnica dos incêndios florestais deve ser comparada à acção de primeiros socorros: qualquer socorrista sabe que antes de intervir deverá avaliar a situação do sinistrado, para proceder ao socorro de acordo com a análise ao comportamento do acidentado, dos sinais que apresenta. De igual forma, nos incêndios florestais existem sinais, situações que induzem o comportamento do fogo, pelo que baseando-nos numa análise correcta poderemos tornar o combate mais eficiente quer operacionalmente quer economicamente.

A análise técnica dos incêndios florestais, muitas vezes objecto de preconceitos, não são um instrumento de juízo ou de busca de responsáveis, antes constitui um instrumento de apoio à tomada de decisão e ao apoio no planeamento de acções preventivas. Conhecendo a evolução dos incêndios num dado território, classificando-os quanto à sua tipologia, poderemos actuar previamente estabelecendo acções de gestão que permitam quebrar uma potencial progressão e criando oportunidades de combate, tornando mais eficientes e seguras as operações e economicamente mais viáveis. Sendo esta tarefa mais que oportuna, tendo em conta a elaboração da 2ª Geração de Planos Municipais de Defesa da Floresta Contra Incêndios.

Cabe pois a quem decide, por exemplo, através da respectiva Comissão Distrital de Defesa da Floresta, colocar no terreno os técnicos existentes em cada município e nas entidades competentes a procederem a esta árdua mas importante tarefa. Cabe a todos os involucrados em acções de combate a cooperarem na informação e cruzamento de dados e registos para que a análise contribua realmente para a redução dos grandes incêndios florestais.

3 comentários:

Paulo Bessa disse...

Caro Emanuel,
Já discuti muitas vezes este assunto... mesmo nunca o tendo feito contigo, o teu texto espelha uma necessidade cada vez mais presente.
Usando as palavras de um conhecido guru... nós só estamos habituados a ver chamas... e não olhamos nem nos preocupamos com o mais importante. A análise de incêndios é decisiva.
É com muita pena que vejo que não apostamos nesta área. Se olharmos para as actuais equipas GAUF, vemos que a sua actuação é dirigida quase exclusivamente para a identificação de oportunidades para o uso do fogo. Ao contrário de outros países, falta-nos uma importante figura... a do analista de incêndios florestais. A nossa regulamentação XPTO nem sequer prevê este analista! Decididamente, não precisamos de tanta especialização e preocupação com a questão do uso do fogo... o uso do fogo é mais uma forma de extinção... precisamos sim de técnicos analistas de fogo que prestem um efectivo apoio e coadjuvem o COS na tomada de decisão e na direcção das operações de combate.
Integrei recentemente um grupo de 5 florestais que se pôs a caminho para ter formação especializada em Análise de incêndios florestais. Tivemos de nos deslocar a LLeida, Espanha. Temos muito a aprender.
Porque é que não temos este tipo de formação por cá?? Porque é que não temos nem promovemos grupos de discussão e análise efectiva de incêndios florestais?? Porque é que não se conhecem publicamente os relatórios produzidos pelas equipas GAUF??
Temos técnicos... porque é que não rentabilizamos os dos GTF's na questão da análise efectiva dos incêndios (sim os Gtf's... porque por enquanto os florestais ainda são os mais competentes para essa matéria)
Aceito quando ouço dizer que o combate já atingiu um topo... já não consegue melhorar!! É um facto na realidade actual... uma realidade onde a análise não se faz.. e onde não importa por onde se inicia o combate... e se tem como certo que nenhum incêndio fica por apagar.
Precisamos de dar um passo... de estudar... de analisar... e de ter um processo de decisão que fundamente toda a estratégia de combate... de modo a torna-la mais eficiente e eficaz. E quando isto acontecer o combate tem ainda muito que melhorar! Acima de tudo, terá que aprender a aceitar opiniões!
Cabe-nos a nós Florestais fazer diferença nesta matéria...
Abraço!

Emanuel Oliveira disse...

Caro Colega, é verdade que nunca falamos sobre isto, mas a formação que temos vindo a adquirir, bem como a experiência dos últimos anos, tem de certa forma obrigado, não só a nós mas a outros técnicos, a questionar o nosso papel no TO.

Lembro que a DON nº2 - DECIF 2012 refere o seguinte:

O DECIF compreende também as seguintes forças e meios:
1. Técnicos do Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas (ICNF), da Autoridade Nacional de Protecção Civil (ANPC) e dos Gabinetes Técnicos Florestais (GTF) das Câmaras Municipais, ou outros elementos qualificados para apoio ao Comandante das Operações de Socorro (COS)/Posto de Comando Operacional Conjunto (PCOC), ao nível do planeamento dos TO e gestão da informação técnica de âmbito florestal, bem como do uso e análise do fogo;

e mais:

2. Para além dos elementos que integram o PCO, o PCOC incorpora ainda um Técnico do ICNF, da AFOCELCA e/ou das OPF e OB, dependendo do local onde ocorra, um Técnico do
GTF, o COM e/ou um representante do SMPC do Município local, bem como representantes das restantes entidades envolvidas nas operações em curso, sem prejuízo do acionamento, em paralelo, de outros técnicos/especialistas necessários para o apoio direto ao COS.

Ora se a DON menciona o papel do GTF no apoio à tomada de decisão no TO, então não podemos ser meros espectadores ou peças de adorno de um dispositivo, só para marcar presença na fita de tempo da ANPC. O nosso papel técnico deverá ser de documentalista do incêndio e posteriormente de analista. O momento é mais que oportuno para esclarecer-se de uma vez a importância das análises técnicas na prevenção, pela intervenção na gestão de pontos estratégicos (PMDFCI 2ª Geração) e no apoio à tomada de decisão junto do COS. As Comissões Distritais de Defesa da Floresta estão aí e os técnicos deverão levar as suas propostas a quem decide! Um Abraço!

Reinaldo Baptista disse...

Na minha modesta opinião em Portugal se preocupa-se mais com o combate do que com a prevenção.

É tudo uma questão de mentalidade e de fiscalização, principalmente quando em Portugal têm uma pouca percentagem de florestas, o que temos são monoculturas intensivas de produção rápida e de lucro fácil de eucalipto e pinheiro sem qualquer importância ecológica, e esses incêndios deviam ser catalogados como incêndios industriais, porque na verdade da palavra é uma indústria e devia ter regras de prevenção como qualquer sector industrial, com fiscalização e punições pelo não incumprimento das normas mais básicas a nível da segurança.


A nível de parques nacionais temos um grave problema, proteger não é o mesmo que proibir, e se os parques naturais não conseguirem perceber isso um dia desses não teremos nenhum parque natural para mostrar aos nossos filhos, porque são esses parques nacionais que nos últimos anos estão mais expostos aos incêndios, e todos sabemos o porquê.

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